A macaca Ofélia e o samurai armado em vampiro

terça-feira, 27 de novembro de 2007

É certo que podemos ter a filosofia de que a vida é aquilo que fazemos dela. A qualquer hora somos livres de largar um trabalho que nos frustra, de acabar com aquele namoro meio chocho que dura há vários anos ou até mesmo de apanhar um comboio, um avião, uma boleia e piscar o olho à vida que levávamos com um simples bye-bye! Sim, seria provavelmente uma tremenda inconsciência e as consequências de atitudes irreflectidas podem sair caras mas o facto é que somos livres de o fazer. Essa é uma das maiores belezas da vida: é um filme sem guião! Já os actores, até podem estar presos ao guião, mas em contrapartida têm um privilégio incomensurável: são livres de si próprios. E é aqui que eu sinto uma doce inveja. Enquanto nós, meros mortais, para respirar novos ares viajamos até outro país, vá lá, quanto muito até outro continente, já uma Helena Bonham-Carter, por exemplo, pode-se dar ao luxo de frequentar a corte da Dinamarca, encarnando a meiga Ofélia (“Hamlet”), e depois ir dar ali um saltinho a outro planeta, interpretando Ari, a simpática macaca amiga de Mark Wahlberg (“Planet of the apes”); mas ainda assim, para aqueles dias mais difíceis em que os nossos actores queridos têm os seus caprichos e nem o cenário mais improvável os impressiona, há sempre alguém para lhes sugerir “e que tal uma viagenzinha pelo tempo?”. Tom Cruise foi um deles: passeou-se por 1791 armado em vampiro (“Interview with the vampire”), em “Minority Report” teletransportou-se para o ano 2054, e tendo provavelmente ganho o gosto à coisa, deu-lhe ainda para ir brincar aos samurais no Japão de 1870 (“The last samurai”). E só naquela de matar o tédio, se juntássemos todas as personagens a quem já deram vida poderíamos decerto contar uma cambada de filhos, casas, roupas, profissões, amigos, passados, e claro, paixões, aventuras e conflitos interiores. Nada melhor do que viver os dramas de outros para esquecer os seus próprios dramas. Deve ser realmente fascinante um actor ter a consciência de que vive um perpétuo ciclo de reencarnações, sentir que a sua identidade própria é indissociável das personagens que resgatou de uma folha de papel e às quais deu vida. São feiticeiros, pequenos deuses que animam o inanimado. Eu queria ser um deles mas agora tenho de ir ali ao supermercado que já não há papel higiénico cá por casa.

P.S. o meu obrigada ao IMDd, como é óbvio, a minha cultura cinematográfica não chega para tanto…

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